Conflito de interesses
Senado mantém e mídia omite o privilégio da "prisão especial" A campanha saneadora que uma porção da mídia e dos jornalistas fazem contra privilégios ignorou um que beneficia a elite de que eles fazem parte. Uma nota de oito linhas no Informe JB (13/3) foi o epitáfio da imprensa para o projeto do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que acabaria com a “prisão especial”, uma prerrogativa reservada genericamente para quem tem curso superior e, especificamente, para algumas categorias profissionais, como os jornalistas.
Derrotado o projeto, por 45 a 12 votos (veja a lista de votos abaixo), sobrevive uma liturgia judicial que assemelha o Brasil ao antigo apartheid sul-africano. É o Estado que forja a discriminação, e os beneficiados se calam. No país do elevador de serviço, a mídia apertou o botão da sintonia fina: todos os grandes meios de comunicação omitiram reportagens sobre a vigência do privilégio — embora a “prisão especial” não seja menos acintosa que outras trapaças cívicas combatidas com barulhenta unanimidade, como a aposentadoria dos deputados. Se um pedreiro for preso ao roubar galinhas, vai dormir em pé na cela-auschwitz onde cabem 20 pessoas e empilham-se 60. Se um engenheiro for preso ao roubar um aviário, vai para uma “prisão especial”, onde tem cama, televisão, visita e bebida. No Brasil o que determina a pena não é o crime, é o criminoso. Compare: o ator Hugh Grant, Ph.D em Literatura por Oxford, teve na polícia de Los Angeles o mesmo tratamento da semi-analfabeta prostituta Divine Brown depois de ser preso por fazer sexo no carro, em junho de 1995. Passaram duas horas numa cela comum e saíram sob fiança.
Uma pesquisa do senador Suplicy no Censo Penitenciário de 1994 mostrou que 95% dos 129.169 presos naquele ano eram pobres e 87% não tinham o 1° grau completo. O senador argumentou que o conjunto de artigos e parágrafos das leis brasileiras sobre a prisão especial (do Código de Processo Penal de 1941 à Lei de Imprensa de 1967, ambos promulgados em regimes ditatoriais) tromba com o postulado do artigo 5° da Constituição segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Apresentado em 1990, o projeto recebeu parecer favorável do senador e ex-juiz Antonio Mariz. O parecer de Mariz não foi votado e caducou.
Reapresentado o projeto em 1991, o segundo relator, Romeu Tuma (PSC-SP), um ex-policial que conhece bem as prisões (foi do DOPS paulista na ditadura militar) minou-o com a epígrafe dos privilégios: desiguais merecem tratamento desigual. A doutrina segregacionista reza que as prisões do povo não são para a elite, que Tuma chamou de “categorias sociais relevantes”. Dessa elite certamente fazem parte senadores e jornalistas, uns legislando em causa própria, outros beneficiando-se da legislação e omitindo os benefícios, num claro conflito de interesses.
Os jornalistas beneficiaram-se da decisão do Senado porque o projeto de Suplicy acabava com uma das liberalidades da Lei de Imprensa (“a lei da ditadura”), que reserva para eles prisão confortável. Eles só entram em cela de delegacia para fazer matéria. O jornalista profissional, condenado pela Lei de Imprensa, só poderá ser preso em “sala decente arejada e onde encontre todas as comodidades” (art° 66 da lei 5.250). (Leia mais sobre privilégios em penas). Os 45 senadores que votaram contra o projeto legislaram em causa própria porque, além de desfrutarem imunidade para crimes comuns, sem relação com o mandato parlamentar, têm, na maioria, um canudo que os livra do xadrez negreiro onde os sem-diploma padecem também sem “ar, sem luz, sem razão”, como nos versos de Castro Alves.
Votaram contra o apartheidAdemir Andrade
Emilia Fernandes
José Dutra
Marina Silva
Roberto Freire
Benedita da Silva
José Fogaça
Junia Marise
Pedro Simon
Eduardo Suplicy
Gerson Camata
Sebastião Rochavotaram a favor do apartheid Antonio Carlos Magalhães
Arlindo Porto
Bello Parga
Bernardo Cabral
Carlos Bezerra
Carlos Wilson
Casildo Maldaner
Coutinho Jorge
Edison Lobão
Epitácio Cafeteira
Freitas Neto
Flaviano Melo
Geraldo Melo
Gilberto Miranda
Iris Rezende
Jefferson Peres
Joel de Hollanda
Jonas Pinheiro
Josaphat Marinho
Joao França
José Agripino
José Arruda
José Bianco
José Ignacio
Júlio Campos
Hugo Napoleão
Humberto Lucena
Lúcio Alcântara
Lucídio Portela
Lúdio Coelho
Luiz Alberto
Mauro Miranda
Marluce Pinto
Nabor Junior
Ney Suassuna
Osmar Dias
Pedro Piva
Ramez Tebet
Roberto Requião
Romero Jucá
Romeu Tuma
Ronaldo Cunha Lima
Teotonio Vilela
Valmir Campelo
Waldeck Ornelas
Leia a seção Correções
(Esse artigo já estava pronto quando Roberto Pompeu de Toledo publicou em Veja comentário sobre os debates no Senado acerca do projeto que acabava com a "prisão especial").Boletim Nº 8 Maço-Abril de 1996
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